08 maio 2015

Síndrome dificulta rotina de quem teve poliomielite


São Paulo, quinta-feira, 13 de novembro de 2003     -

Sintomas como cansaço e dores musculares surpreendem os pacientes anos depois da doença e confundem até os médico.
 Marcelo Barabani/Folha Imagem  

 Bernardete Olivério sentia dor e fraqueza 



DANIELLE BORGES
DA REPORTAGEM LOCAL



Há cinco anos, o clínico-geral Roberto Seixas, 53, começou a se sentir mais cansado. O corredor do hospital que ele percorria diariamente passou a parecer cada vez mais longo. "Precisava parar para descansar. Sentia muita fraqueza e cansaço", diz ele. Mesmo sendo médico, Seixas precisou pesquisar para descobrir que estava com síndrome pós-pólio, problema que acomete pessoas que, como ele, tiveram poliomielite. Embora o médico francês Jean-Martin Charcot (1825-1893), considerado um dos pais da neurologia moderna, já chamasse a atenção para a síndrome em 1876, pouco se sabe sobre ela. Até no meio médico a síndrome permanece desconhecida, e seus sintomas -dores musculares, cansaço, fadiga e alterações no sono- são facilmente confundidos com estresse. Isso é um complicador para boa parte dos pacientes que tiveram pólio há 20 ou 30 anos e imaginam ter superado as limitações que a doença lhes infringiu. Uma pesquisa realizada pelo setor de doenças neuromusculares da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) aponta que entre 60% e 80% deles sofrem com a síndrome pós-pólio atualmente, mas é difícil chegar ao diagnóstico correto, o que incentivou os próprios pacientes a se organizarem (leia mais na pág. ao lado). Um exemplo da falta de informação é o caso da professora Bernardete Estrela Olivério, 48. A pólio que ela teve aos noves meses de idade causou problemas no desenvolvimento na perna direita. Após anos de fisioterapia, em 1997, ela começou a sentir dores no membro afetado pela doença. Em nenhum momento, porém, a professora relacionou esses sintomas com a pólio. "Comecei a sentir fraqueza para andar até que, um dia, não consegui sair do lugar", relembra. Depois disso, Olivério começou uma via-sacra de cinco anos por consultórios de neurologistas e ortopedistas. "Todos faziam perguntas sobre meu histórico de saúde, mas nenhum mencionou a síndrome." A resposta veio quando ela leu um artigo assinado por Seixas. "Eu me identifiquei com todos os sintomas descritos por ele."
 
Hipótese
A medicina ainda não chegou a uma conclusão sobre o que causa a síndrome pós-pólio. De acordo com uma tese que tem sido aceita nos últimos anos, a doença pode estar associada à morte, por esgotamento, dos neurônios responsáveis pelo movimento. "Com a poliomielite, boa parte dos neurônios motores morre, e os que sobram são condicionados a trabalhar por três ou até por cinco neurônios", explica Berenice Cataldo, do Ambulatório de Doenças Neuromusculares da Santa Casa de São Paulo. "As primeiras manifestações da síndrome são a fadiga e a fraqueza muscular, como se as fibras estivessem perdendo a força", diz Rogério Carvalho de Castro, ortopedista da AACD (Associação de Assistência à Criança Deficiente). No entanto esses sintomas nem sempre são suficientes para que o paciente procure um médico. "Muitos confundem a síndrome com estresse, e até os médicos têm dificuldades para fazer o diagnóstico", afirma Acary Bulle de Oliveira, chefe do setor de doenças neuromusculares da Unifesp. Segundo Oliveira, a falta de intimidade com a síndrome é fruto da falta de interesse dos profissionais na área. "Quando houve a epidemia de pólio [leia mais lago abaixo], muitos médicos se especializaram na doença, mas poucos continuaram pesquisando o assunto." Por conta das poucas pesquisas existentes sobre a síndrome pós-pólio, a medicação indicada aos pacientes é apenas paliativa. "Usamos medicamentos para aliviar os sintomas", afirma Oliveira.

Adaptação da rotina
Após o diagnóstico, pacientes da síndrome pós-pólio precisam adaptar sua rotina diária às limitações que a doença lhes impõe. "Fazia parte da mentalidade das pessoas exigir tudo de quem tivesse alguma sequela da pólio. Hoje, sabemos que esse não é o caminho", explica Oliveira.
A receita para os pacientes que tiveram pólio na infância é poupar o corpo. Segundo Oliveira, os pacientes devem prevenir o cansaço e esgotamento físico. "Não é indicado, por exemplo, subir e descer escadas, andar longas distâncias ou permanecer muito tempo de pé." Ele recomenda descansar um pouco após fazer qualquer tipo de atividade.
Prevenir o cansaço, porém, não significa tornar-se sedentário e eliminar os exercícios físicos do cotidiano. "Os exercícios devem ser feitos, mas com critério", diz Castro. Entre as atividades recomendadas pelos especialistas estão a natação e a hidroginástica.


Doença foi erradicada no Brasil?
O último caso brasileiro de poliomielite foi registrado em 1989. Cinco anos depois, a OMS (Organização Mundial da Saúde) concedeu ao Brasil o Certificado de Erradicação da Transmissão Autóctone do Poliovírus Selvagem nas Américas.
No entanto o fato de a doença estar erradicada não significa que a vacinação seja desnecessária. "Pelo contrário. A doença está erradicada justamente por causa das intensas campanhas de vacinação, mas o vírus ainda circula pelo ambiente", afirma Acary Bulle Oliveira, chefe do setor de doenças neuromusculares da Unifesp.
A vacinação em massa, iniciada em 1961, foi responsável pela redução gradual dos casos de poliomielite, que ainda faz vítimas em países africanos e na Índia e causou a morte de milhares de pessoas em todo o mundo entre as décadas de 50 e 80. A doença, porém, é muito mais antiga. O primeiro registro que se tem das sequelas da pólio é uma peça egípcia, datada de cerca de 1.500 a.C.
"Os três vírus da poliomielite são transmitidos pelo contato com fezes ou secreções respiratórias", explica o infectologista Otávio Augusto Branchini, do Instituto de Infectologia Emílio Ribas (SP).
Após o período de incubação, que varia de uma a duas semanas, a pessoa infectada tem sintomas parecidos com os de uma gripe comum: febre e dores musculares. Apenas 1% dos casos de pólio levam à paralisia de um ou mais membros, que é o maior perigo da doença. "O vírus pode iniciar um processo inflamatório que provoca a necrose das células da medula espinhal", diz Branchini. Essas células são responsáveis por comandar o movimento dos músculos.
Na fase aguda, a poliomielite evolui rapidamente da febre para a atrofia dos membros. A recuperação dos movimentos depende dos danos causados pela inflamação. "Pode levar meses e até anos, e o paciente pode não recuperar todas as habilidades perdidas", diz Oliveira.

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/equilibrio/eq1311200315.htm
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/equilibrio/eq1311200317.htm

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