https://doi.org/10.1590/0004-282X20130111
Ruy Laurenti Heloisa Brunow Ventura Di Nubila Abrahão Augusto Joviniano Quadros Mônica Tilli Reis Pessoa Conde Acary Souza Bulle Oliveira.
A primeira Classificação Internacional de Doenças (CID) foi aprovada em 1893 e, desde então, vem sendo periodicamente revisada. A última, a décima revisão (CID-10), foi aprovada em 1989. A partir de 1989, foram estabelecidos mecanismos para atualizar a CID-10, o que não ocorria antes. A próxima revisão (CID-11) provavelmente será publica em 2015. Os mecanismos para atualizar a CID-10, incluíram a criação do Grupo de Referência de Mortalidade (Mortality Reference Group – MRG) em 1997, e do Comitê de Revisão e Atualizações (Update & Revision Committee – URC) em 2000. Em 2007, foi criado o Grupo de Referência em Morbidade (Morbidity Reference Group – MbRG), que passou a discutir mais detalhadamente questões para atualização relacionada à Morbidade. A síndrome pós-poliomielite não foi contemplada com um código específico na revisão da CID-10 de 1989. Entretanto, a partir do ano de 2010, foi incluído na CID-10 o código G14 para a SPP.
Para se cumprir o principal objetivo da saúde pública, “... ciência e arte de evitar a doença, prolongar a vida e promover a saúde mediante a atividade organizada da sociedade”1, é preciso conhecer quais são os problemas de saúde, quais seus tipos e como eles se distribuem na população. Os nomes que a eles são dados e as maneiras de classificá-los fornecem os elementos para seu melhor conhecimento e compreensão2.
Nosologia é a classificação de pessoas doentes segundo grupos — qualquer que seja o critério de classificação — bem como os acordos ou definições quanto aos critérios ou limites dos grupos. A nosografia atribui nome a cada entidade mórbida, a reunião desses nomes constitui uma nomenclatura de doenças3.
A nosografia tenta traduzir e possibilitar nossa compreensão sobre as causas, sobre a patogênese e sobre a natureza da doença e, segundo Last, é o arcabouço conceitual para o conhecimento sobre os problemas de saúde, fornecendo as bases para o planejamento e a avaliação. Possibilita a todos que tratam da assistência bem como dos problemas de saúde se comunicar entre si em uma mesma linguagem4.
A nosografia é a nomenclatura de doenças. É, portanto, a maneira pela qual um determinado agravo à saúde que tenha determinados sintomas e sinais, bem como alterações patológicas específicas, recebe o mesmo rótulo, que pode também ser chamado diagnóstico, em qualquer lugar do mundo. Por definição, uma nomenclatura é um catálogo de termos e, no caso de uma nomenclatura de doenças, cada uma delas deve apresentar um verbete, visto que sua função principal é ajudar a se chegar à expressão mais precisa que descreve o padecimento do doente, isto é, o diagnóstico.
A nosologia, é uma classificação de doenças segundo características comuns e serve, basicamente, para finalidades estatísticas quanto à distribuição das doenças na população.
É comum dizer que “nomenclatura” (nosografia) e “classificação” (nosologia) não são antagônicas mas, antes, têm finalidades distintas. Uma boa classificação, obviamente, só pode ser construída se se tiver uma boa nomenclatura.
Nosografias sempre existiram em todas as sociedades, mesmo as mais primitivas, as quais apresentavam teorias sobre a origem natural e sobrenatural da doença. O nome dado a uma doença quase sempre tentava traduzir isso. O conceito de entidade mórbida específica aparece nos textos médicos primitivos hindus, assírios e egípcios. Podem ser citados o Papiro Ginecológico de Kahun (1900 A.C.), o Papiro de Edwin Smith (1600 A.C.), o Papiro de Ebers (1500 A.C.), as tábuas de argila da biblioteca de Nínive do rei Assurbanipal (668–626 A.C.) e o Charaka Samhita (100 A.D.). O texto hindu conhecido como Sushruta Samhita (600 A.D.) apresenta uma classificação ordenada de doenças e lesões11. Este último, portanto, é ao que tudo indica, a mais antiga proposta de classificação de doenças e lesões.
CLASSIFICAÇÃO DE DOENÇAS
A análise estatística de uma variável com grande número de categorias - como é o caso da variável doença - só é possível classificando essas categorias. Uma classificação de doenças é um sistema que agrupa as doenças análogas, semelhantes ou afins, segundo uma hierarquização ou eixo classificatório. Uma classificação estatística de doenças implica, portanto, um conjunto de grupos de diagnósticos ou doenças, visto que o interesse principal são os agrupamentos e não os casos individualizados como em uma nomenclatura.
Em uma classificação, o número de categorias tem que ser restringido e sempre deve estar prevista a possibilidade de incluir um novo diagnóstico dentro de um agrupamento já existente.
Segundo numerosos estudiosos do assunto, há unanimidade quanto a atribuir ao inglês John Graunt o primeiro estudo estatístico de doenças, no caso análise da mortalidade por causa. Esse estudo apareceu na clássica e sempre citada publicação de 1662 “Natural and Political Observation Made Upon the Bills of Mortality”, onde analisou a mortalidade de Londres, a partir dos dados registrados nas paróquias, segundo algumas variáveis, como sexo, idade, procedência e — o grande feito! — causa.
Graunt listou 83 causas de morte as quais incluíam algumas explicitamente etiológicas (“shot”, “smothered and stifed”, “drowne”, “plague”); outras levam a algum tipo de indicação da patogenia (“apoplex”, “excessive drinking”, “measles”, “quinsey”, “worms”), outras se referiam principalmente às circunstâncias que causaram a morte ou os sintomas e sinais que a precederam (“abortive and stillborn”, “aged”, “cancer” “convulsion”, “surfet”).4 Comentando a lista elaborada por Graunt, Last diz o seguinte: “... mostra a dificuldade — ainda hoje existente — de construir uma nosografia que apresente um conceito uniforme de doença. Somos incapazes de escapar de uma classificação híbrida onde algumas condições referem- se ao conhecido ou suposto etiologicamente, outras aparecem segundo a morfologia ou a fisiopatologia, bem como outras segundo o sistema afetado ou ainda circunstâncias externas”.
A lista de causas de morte elaborada por Graunt é considerada, historicamente, como a primeira classificação de doenças. A rigor, entretanto, não era uma classificação, mas tão somente uma lista de diagnósticos dispostos segundo ordem alfabética.
A partir de Graunt foram feitas várias tentativas visando criar uma classificação de doenças. Na realidade, eram classificações de causas de morte, não incluindo, a maioria delas, as doenças não letais.
Essas classificações quase sempre não passavam de exercícios médicos, à maneira de trabalhos acadêmicos, sem aplicações aparentes. Poucas foram realmente utilizadas, e quando o eram, a utilização era limitada. Não havia uma classificação de uso internacional, o que dificultava ou praticamente impedia a comparabilidade internacional sobre frequência de doenças que eram causas de morte.
A CLASSIFICAÇÃO INTERNACIONAL DE DOENÇAS
Desde Graunt, em sua publicação de 1662, até praticamente às primeiras décadas do século XX, as informações sobre frequência de doenças eram aquelas advindas das estatísticas de mortalidade por causa. Com exceção de dados sobre as chamadas doenças notificáveis, geralmente doenças infecciosas e epidêmicas, não havia estatísticas de morbidade, como por exemplo, as hospitalares e as de atendimento ambulatorial. Esse é o motivo pelo qual a história das classificações de doenças e, particularmente, a da classificação internacional como a atualmente existente, iniciou-se e por muito tempo continuou sendo uma classificação de causas de morte.
A necessidade de comparar causas de morte segundo áreas ou regiões de um país e, principalmente, entre países, fez crescer o interesse para se usar uma mesma classificação internacionalmente.
Várias tentativas foram feitas nesse sentido, principalmente a partir da segunda metade do século XIX.
Ao propor uma classificação para as causas de morte, Willam Farr acentuou que as doenças poderiam ser classificadas de diferentes maneiras visando servir a propósitos estatísticos e quanto à finalidade de estudar causas de morte ele foi influenciado pela maneira como havia feito Carolus Linnaeus (médico Botânico Sueco) em suas classificações hierarquizadas, botânica e zoológica. Farr propôs uma classificação, que se reconhece como a base estrutural da atual classificação internacional de doenças.
A importância de uma classificação estatística de uso internacional foi reconhecida e fortemente recomendada no Primeiro Congresso Internacional de Estatística realizado em1853 na cidade de Bruxelas. Os participantes indicaram William Farr e Marc d'Espine, de Genebra, para realizar a tarefa de preparar uma “nomenclatura uniforme de causas de morte aplicável a todos os países”. Em 1855, em Paris, realizou-se o Segundo Congresso Internacional de Estatística, onde Farr e d'Espine apresentaram listas separadas e baseadas em eixos diferentes de classificação.
Essas classes eram divididas em ordens e, particularmente para a Classe 3, existiam 8 ordens. Essa divisão, como pode ser observado a seguir, foi a matriz para a atual classificação internacional:
A Lista apresentada por Marc d'Espine agrupava as doenças de acordo com sua natureza (gotosa, hemática, herpética...) e não teve muita aceitação. O Congresso adotou uma Lista de 138 rubricas, mantendo a estrutura proposta por Farr com a inclusão de algumas sugestões de d'Espine. Os Congressos subsequentes, de 1864, 1874, 1880 e 1886 revisaram essa lista. Esta classificação, adotada no Congresso de 1855 e revista nos seguintes, não foi universalmente aceita, mas é preciso destacar que o princípio de agrupar as doenças, principalmente por localização anatômica, como havia sido proposto por Farr, sobreviveu e influenciou fortemente a futura classificação de doenças de uso internacional.
Em 1891 o então criado “Instituto Internacional de Estatística”, em Viena, substituiu os Congressos Internacionais de Estatística quanto a questões relativas a classificações e, neste ano, formou uma Comissão para preparar uma nova classificação. Essa Comissão estava sob a direção de Jacques Bertillon (1852–1922), de Paris, e preparou uma classificação de causas de morte que ficou conhecida como “Classificação das Causas de Morte de Bertillon”.
Bertillon era o chefe dos serviços de estatísticas da cidade de Paris, função semelhante à que tinha tido William Farr na Inglaterra, e a classificação que elaborou apresentava 14 grupos ou capítulos; este último nome persiste até hoje para as grandes divisões da Classificação Internacional de Doenças. Os 14 capítulos tinham, em conjunto, 161 categorias ou causas de morte.
A Classificação de Bertillon foi adotada em 1893 pelo Instituto Internacional de Estatística e recomendado o seu uso internacionalmente, o que foi adotado por vários países. É considerada a primeira classificação internacional de causas de morte. É interessante apresentar como eram identificados seus 14 capítulos (Tabela 2), devendo-se notar que os capítulos estavam ordenados segundo números romanos, tradição que se segue até hoje.
Classificação de Bertillon adotada em 1893.
É justo ou correto enfatizar que o grande batalhador para se conseguir uma classificação de uso internacional foi o inglês já citado Willian Farr (1808–1883) primeiro médico estatístico a dirigir o “General Register Office of England and Walles” a partir de 1837.
AS REVISÕES DA CLASSIFICAÇÃO E A MUDANÇA DE OBJETIVOS DA CLASSIFICAÇÃO INTERNACIONAL DE DOENÇAS
A Classificação (Lista Internacional de Causas de Morte) aprovada em 1893 e que se tornou de uso internacional teve uma primeira revisão em 1900, e uma segunda em 1909, de acordo com que havia sido aprovado em 1893, isto é, que deveria haver revisões, na medida do possível a cada dez anos.
Revisões da Classificação Internacional de Doenças segundo o ano que foi adotada, anos de uso e número de categorias (códigos).
As revisões, da primeira (1900) até a quinta (1938) foram convocadas pelo governo francês, eram conhecidas como “Classificação Internacional de Causas de Morte” ou “Classificação de Bertillon”.
AS ADAPTAÇÕES DA CID PARA ESPECIALIDADES
O número de categorias foi ampliado, a partir da CID-6, para possibilitar o uso em morbidade, na CID-10 esse número foi bastante aumentado. Apesar dessa ampliação, as diferentes especialidades médicas reclamaram que isso não era suficiente. De fato, ainda persiste a “filosofia” da causa de morte, isto é, a causa inicial (básica) é que deve aparecer nas estatísticas. Assim como exemplo: para o diabetes, como tal, é suficiente ter um código de categoria para causas de morte (agrupamento E10-E14) com sub-categorias que descrevem de modo geral as complicações existentes (.0 coma; .1 cetoacidose; .2 complicações renais; .3 complicações oftálmicas; .4 complicações neurológicas; .5 complicações circulatórias periféricas; .6 outras complicações).
Entretanto, para análise da morbidade, é preciso, ou mesmo necessário, ter categorias para as mais diferentes complicações ou mesmo manifestações clínicas: nefropatia (N08.3), catarata (H28.0), retinopatia (H36.0), mononeuropatia (G59.0), polineuropatia (G63.2), gangrena e angiopatia (I79.2) diabéticas, e várias outras.
Não é fácil contemplar na CID, para grande número de diagnósticos, a inclusão de todas as manifestações e complicações cada uma com um código para categorias ou subcategorias. As especialidades médicas passaram a elaborar “adaptações da CID para especialidades”. Nestas é mantida a mesma estrutura quanto ao número de capítulos, agrupamentos, categorias e sub-categorias sendo agregadas novas sub-categorias. Novos termos de inclusão que indicam algum tipo de manifestação clínica ou complicações são incluídos nas categorias e sub-categorias já existentes.
Na 8a Revisão (CID-8) e na 9a Revisão (CID-9) foram criadas algumas adaptações como a de odontologia e estomatologia (CID-OE), a de oncologia (CID-O). No “Relatório da Conferência Internacional Para a Décima Revisão da Classificação Internacional de Doenças” (26 de setembro a 2 de outubro 1989) esse fato está relatado, juntamente com o comentário sobre o desenvolvimento de uma adaptação preparada pelo programa de saúde mental. Também enfatiza a proposta da compilação dos códigos da CID relevantes para a Psiquiatria e a Neurologia, isto é, a adaptação da CID-10 para essas especialidades. Assim, foram publicadas as adaptações: “ICD-NA-Application of the International Classification of Diseases to Neurology” e a “The ICD-10 Classification of Mental and Behavioral Disorders - Clinical description and diagnostic guidelines”8.
PROCESSO DE ATUALIZAÇÃO DA CID
Até a 9a Revisão (CID-9), as revisões da CID eram decenais. No entanto, a CID-10 foi aprovada após 15 anos, em 1989 e a próxima futura revisão (CID-11) deverá ser publicada em 2015, ou seja, após um intervalo aproximado de 25 anos. Admite-se tal intervalo mais amplo em razão de existir, a partir da décima revisão, a possibilidade de atualização da CID entre as revisões, o que não ocorria antes.
No relatório da Conferência Internacional para a Décima Revisão, em 1989, que aprovou a CID-10, foi apresentada a recomendação de que “a OMS endosse o conceito de um processo de atualização no período entre duas revisões e considere os mecanismos para que esta atualização seja colocada em prática. Foram então estabelecidos mecanismos para atualizar a CID-10, por meio da criação do Grupo de Referência de Mortalidade (Mortality Reference Group) — MRG em 1997, e do Comitê de Revisão e Atualizações (Update & Revision Committee) — URC em 2000. Em 2007, foi criado o Grupo de Referência em Morbidade (Morbidity Reference Group) – MbRG que passou a discutir mais detalhadamente questões para atualização relacionadas a Morbidade.
O URC recebe propostas do MRG, MbRG e de membros dos Centros Colaboradores da OMS para a Classificação de Doenças, analisa-as e submete as recomendações de mudanças na CID-10 aos Diretores dos Centros Colaboradores a cada ano. O URC também desenvolve as políticas para gerenciar o processo de atualização. No processo de atualização, foram estabelecidas duas categorias: Atualizações Principais (ou Major) e Secundárias (ou Minor). A inclusão ou exclusão de códigos é um tipo de atualização principal importante, bem como alterações de regras ou linhas de ação que afetem a integridade dos conjuntos de dados de morbidade ou mortalidade. Em geral, têm pelo menos três anos de intervalo entre sua aprovação e implantação. Há exceções como no caso da ocorrência da Gripe aviária que teve seu código (J09) rapidamente aprovado e implantado no mesmo ano.
As etapas que antecedem o uso de um código novo ou revisado seguem um processo de trâmite natural de alguns anos, com um determinado fluxo definido pela OMS. A proposta de um novo diagnóstico ou doença pode ser feita diretamente à OMS, que encaminha para a “Rede de Centros Colaboradores da OMS” ou então via um dos Centros. As propostas de atualização e sua discussão são coordenadas pelo Comitê de Atualização da CID e tanto seu funcionamento como sua história e as propostas já realizadas podem ser consultadas na página da OMS. Atualmente, propostas podem ser apresentadas e acompanhadas na plataforma de revisão da CID-10 na página: http://extranet.who.int/icdrevision10 .
A análise por técnicos e especialistas representa em geral o período mais longo, sendo o assunto discutido em plataforma na internet, acessível publicamente por meio de registro, passando por debates em encontros presenciais até a aprovação final.
INCLUSÃO DA SÍNDROME PÓS-POLIOMIELITE NA CID 10
As décadas de 70 a 90 foram marcadas pelos grandes avanços no conhecimento da Síndrome Pós-Poliomielite (SPP), começando com o estabelecimento do primeiro critério diagnóstico por Mulder11 e culminando com a publicação do primeiro compêndio sobre a patogêneses e tratamento da SPP em 199512. Entretanto, não foi tomada nenhuma iniciativa para inclusão da SPP na CID, talvez pela realidade dos países desenvolvidos, diferente da brasileira, em que há premência em atender as solicitações dos pacientes sem classificação na CID.
A experiência no atendimento de pacientes com história de poliomielite paralítica com queixas de novos sintomas no Setor de Investigação de Doenças Neuromusculares da Universidade Federal de São Paulo (SIDNM/Unifesp) pode ser dividido em quatro fases: a primeira, de 1972 a 2002, culminando com a publicação do primeiro artigo sobre a SPP no Brasil13; a segunda, de 2003 a 2005, fase da instalação e estruturação do ambulatório específico da SPP, tendo como resultado a primeira pesquisa sobre a caracterização detalhada da SPP no Brasil14 15 e a elaboração do Documento Técnico da SPP16; a terceira fase, de 2006 a 2011 com o desenvolvimento de diversas pesquisas sobre aspectos clínicos específicos da SPP e publicação da primeira e segunda edição do Manual “síndrome pós-poliomielite: orientações para profissionais da saúde”17 18; e a quarta fase, a partir de 2012 inaugurada com o primeiro ensaio clínico fase III.
As dificuldades vivenciadas no SIDNM da UNIFESP para atender os pacientes que dependiam da emissão de laudo médico para atender suas necessidades no contexto da saúde, social e judicial, foram muitas, já que a revisão da CID-10 de 1989 contemplava os diversos tipos de poliomielite aguda e sequela de poliomielite paralítica, mas não contemplava a Síndrome Pós-Poliomielite. Diante dessa realidade o SIDNM baseado no documento técnico da SPP16, elaborado em parceria com o Centro de Controle e Prevenção de Doenças da Coordenação de Vigilância em Saúde da Prefeitura do Município de São Paulo e a Associação Brasileira da Síndrome Pós-Pólio, submeteu em 2004 a solicitação de inclusão da SPP na CID ao Centro Brasileiro de Classificação de Doenças (CBCD) ou como é oficialmente denominado junto à OMS, “Centro Colaborador da OMS para a Família de Classificações Internacionais em Português” que faz parte do Departamento de Epidemiologia da Faculdade de Saúde Pública da USP – Universidade de São Paulo.
A proposta para criação de um código específico para a síndrome pós-poliomielite, foi apresentada pelo CBCD na reunião do Comitê de Revisão e Atualização (URC) em 2005 (Figura)19, discutida e defendida na reunião do MbRG na Suécia em fevereiro de 2008. A proposta foi bem recebida pelos membros do MbRG que também fazem parte do URC, sendo aprovada em outubro de 2008, para a inclusão do código G14 na CID 10, a partir de 2010. Foi adicionada na Categoria de Atrofias Sistêmicas que Afetam Principalmente o Sistema Nervoso Central (G10–G14):
Proposta 0313 (Brasil) Recomendada na UCR para inclusão da SPP na CID10.
A inclusão da SPP na CID10 em 2008 se dá 133 anos após a primeira descrição clínica feita por Jean Martin Charcot em 1875.
A SPP é uma síndrome clínica caracterizada por nova fraqueza muscular em musculatura previamente afetada ou não, acompanhada ou não de fadiga muscular, dor muscular e articular. Outros sintomas podem estar presentes como: intolerância ao frio, alteração do sono, dificuldade respiratória, disfagia e disfonia. Em virtude de estarem os quadros clínico e histológico intimamente relacionados com disfunção dos neurônios motores inferiores, a SPP encontra-se na categoria das doenças do neurônio motor, classificada como síndrome do neurônio motor inferior de forma esporádica. Cerca de 30 a 40 anos após a poliomielite aguda ocorre a instalação de nova fraqueza muscular na média em 60%13 nos casos paralíticos e em 40% nos casos não paralíticos.
FAMÍLIA DE CLASSIFICAÇÕES INTERNACIONAIS E A CID-11
No Brasil, o uso da CID é compulsório para compor a base de códigos de todas as informações em Mortalidade (Portaria GM/MS n° 1832/94, publicada no DOU n° 218, de 03 de novembro de 1994) e em Morbidade (Portaria 1311/GM de 12 de setembro de 1997). Os códigos da CID são utilizados no SIM (Sistema de Informação em Mortalidade), no SIH (Sistema de Informação de Internações Hospitalares) e no SINAN (Sistema de Informação de Agravos de Notificação), ou mesmo no campo destinado ao diagnóstico de malformações congênitas na Declaração de Nascidos-Vivos que está incluído no SINASC (Sistema de Informação sobre Nascidos Vivos).
Embora a CID seja adequada para finalidades como as acima descritas, ela não é adequada para descrever funcionalidade e incapacidade como componentes da saúde, ou mesmo intervenções em saúde.
Nos anos 70, durante a preparação da 9a Revisão da CID, começou-se a discutir a ideia de uma “família” de classificações, sendo que suas bases foram estabelecidas em 1989, na Conferência Internacional para a CID-1025. Esta família é composta por um conjunto de classificações integradas, que compartilham características, e que podem ser usadas isoladamente ou em conjunto para fornecer informações de saúde ou relacionadas à saúde. Com este conceito de família, foi alinhada uma nova classificação de saúde com a CID-10 entre as classificações principais, ou também chamadas “classificações de referência”: a Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF), que apresenta aspectos adicionais de domínios da saúde, da funcionalidade e da incapacidade. Considerando o impacto das afecções de saúde na vida das pessoas, dentro de seus próprios contextos, CID e CIF são classificações complementares que oferecem uma descrição mais completa da situação de saúde. No que se refere às afecções do sistema nervoso e ao prejuízo que podem causar à funcionalidade do indivíduo, a CIF apresenta um modelo conceitual que pode ampliar a atuação na Neurologia Clínica, descrevendo não mais apenas as lesões e as doenças, mas também a funcionalidade e a incapacidade vividas pela pessoa em todos os seus aspectos biopsicossociais.
Atualmente, estão em andamento os preparativos para a décima primeira revisão da CID, a CID-11, a ser apresentada à Assembleia Mundial da Saúde em 2015. Entretanto, não se espera que sua utilização ocorra antes de 2020. Contará com uma plataforma eletrônica com interface e uso conjunto com a CIF. O formato atual desta plataforma pode ser visto no iCAT (ICD Collaborative Authoring Tool) no endereço: http://sites.google.com/site/icd11revision/home/icat onde são mostradas as formas preliminares de associação de elementos da CIF, que podem ser “pareados” com itens do SNOMED (Standard Nomenclature of Medical Diagnosis) e da CID-11, por enquanto compatível apenas com os capítulos de estruturas corporais da CIF.
O trabalho de revisão da CID visa atualizar a Classificação de Doenças de modo a incluir todo o novo conhecimento científico, clínico e de saúde pública, integrando uma ampla rede de consultores e de tecnologia baseada na internet para coletar, integrar e compartilhar informações. Neste processo, é importante que seja viabilizada a referência cruzada com sistemas de terminologia e a harmonização da CID com as demais classificações da Família de Classificações Internacionais da OMS. Devem ser preparadas adaptações dirigidas às diferentes necessidades dos usuários.
Para organizar o trabalho de revisão da CID com vistas à CID-11, a OMS dividiu o trabalho por especialidades, em grupos denominados TAG (Topic Advisory Group) e em grupos de trabalhos (Working Groups) coordenados por um comitê (Steering Committee). Foram constituídos TAGs para Medicina Interna, com grupos de trabalho para cinco áreas dentro dessa especialidade, bem como TAGs para dermatologia, causas externas de lesões, doenças maternas, neonatais e urogenitais, saúde mental, músculo-esquelético, neurologia, oftalmologia e doenças raras. Além desses TAGs, foram formados outros para mortalidade, morbidade, funcionalidade e informações de saúde, que vêm trabalhando para organizar a décima primeira revisão.
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