Para quem carrega a dor invisível da poliomielite
No tempo em que os pés eram sonhos,
corria atrás do vento, sorria pro sol.
Mas um vírus calou meus passos,
e a infância virou lençol.
O corpo travou sua dança,
músculos perderam o tom.
E mesmo curado na esperança,
a fraqueza ficou como dom.
Décadas depois, a surpresa —
o velho fantasma voltou.
No músculo já tão cansado,
o tempo pesado pesou.
Chama-se “pós-pólio”, essa dor esquecida,
uma atrofia que cala e consome.
Não mata de súbito a vida,
mas rouba, aos poucos, o nome.
Nome de força, de autonomia,
nome de “ser como os outros são”.
Agora, cada dia é poesia
escrita com luta na palma da mão.
Há dias em que tudo pesa:
uma escada, uma xícara, um sim.
E a alma se veste de reza
pra suportar o que vem do fim.
Mas ainda há luz na janela,
e amor que sustenta a coluna.
Mesmo sem pernas tão firmes,
carrego no peito a fortuna
de quem, entre espasmos e silêncios,
ainda planta flor no chão.
Porque viver com dor é ciência,
mas resistir… é pura oração.
Nenhum comentário:
Postar um comentário