03 junho 2025

Cicatriz Silenciosa

 Para quem carrega a dor invisível da poliomielite

No tempo em que os pés eram sonhos,

corria atrás do vento, sorria pro sol.

Mas um vírus calou meus passos,

e a infância virou lençol.


O corpo travou sua dança,

músculos perderam o tom.

E mesmo curado na esperança,

a fraqueza ficou como dom.


Décadas depois, a surpresa —

o velho fantasma voltou.

No músculo já tão cansado,

o tempo pesado pesou.


Chama-se “pós-pólio”, essa dor esquecida,

uma atrofia que cala e consome.

Não mata de súbito a vida,

mas rouba, aos poucos, o nome.


Nome de força, de autonomia,

nome de “ser como os outros são”.

Agora, cada dia é poesia

escrita com luta na palma da mão.


Há dias em que tudo pesa:

uma escada, uma xícara, um sim.

E a alma se veste de reza

pra suportar o que vem do fim.


Mas ainda há luz na janela,

e amor que sustenta a coluna.

Mesmo sem pernas tão firmes,

carrego no peito a fortuna

de quem, entre espasmos e silêncios,

ainda planta flor no chão.

Porque viver com dor é ciência,

mas resistir… é pura oração.

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