12 junho 2022

Sobreviventes de Poliomielite em época de pandemia por COVID-19 (SARS CoV-2)

Poliomyelitis Survivors in the Time of a COVID-19 pandemic (SARS CoV-2) Sobrevivientes de Poliomielitis en tiempos de una pandemia de COVID-19 (SARS CoV-2)

 


 

Jeyce Adrielly André Nogueira ORCID: https://orcid.org/0000-0002-1214-2079 Universidade Federal de São Paulo, BrasilE-mail: jaanogueira21@unifesp.br 
Monalisa Pereira Motta ORCID: https://orcid.org/0000-0003-2071-1216 Universidade Federal de São Paulo, Brasil E-mail: monalisa.motta@gmail.com 
 Abrahão Augusto Joviniano Quadros ORCID: https://orcid.org/0000-0001-8197-5915 Universidade Federal de São Paulo, Brasil E-mail: aajquadros@gmail.com 
Marco Antonio Orsini Neves ORCID: https://orcid.org/0000-0002-8526-6937 Universidade Federal de São Paulo, Brasil E-mail: orsinimarco@hotmail.com 
Vanessa Manchim Favaro ORCID: https://orcid.org/0000-0003-2417-7364 Universidade Federal de São Paulo, Brasil E-mail: vm.favaro@gmail.com 
Sissy Veloso Fontes ORCID: https://orcid.org/0000-0003-0304-1142 Universidade Federal de São Paulo, Brasil E-mail: sissy.fontes@unifesp.br 
Francis Meire Favero ORCID: https://orcid.org/0000-0001-8063-8167 Universidade Federal de São Paulo, Brasil E-mail: francis.favero@unifesp.br 
Acary Souza Bulle Oliveira ORCID: https://orcid.org/0000-0002-6986-4937 Universidade Federal de São Paulo, Brasil E-mail: Acary.bulle@unifesp.br

 

 

Resumo

A Poliomielite Anterior Aguda deixou sequelas nos sobreviventes, fazendo-os necessitar de tratamentos contínuos, tornando-os possivelmente vulneráveis na Pandemia por Covid-19. Este trabalho objetiva analisar a prevalência dos fatores de risco para contrair o COVID-19 assim como, desenvolver a forma grave, entre os pacientes com Sequela de Poliomielite e Síndrome Pós Poliomielite(SPP). Foi realizado um estudo epidemiológico com um questionário online abordando questões epidemiológicas, de saúde física e psicoemocional. Para análise utilizou-se o Teste Qui-quadrado. Foram obtidas 383 respostas, divididas em: Sequela de Poliomielite (GP-49%;n=190) e SPP (GSPP-50,4%;n=193). O sexo Feminino e a faixa etária de 50-59 anos foram mais prevalentes em ambos os grupos. Os acometimentos mais frequentes foram a monoparesia (38,9%GP;21,7%GSPP), paraparesia (18,9%GP) e tetraparesia (16,6%GSPP). Quanto às comorbidades 37,4%GP e 37,3%GSPP relataram Hipercolesterolemia; 42,6% GP e 47,1% GSPP Hipertensão e 19,5% GP e 14,5% GSPP Diabetes. Nos aspectos físicos, 57,9% (GP) e 65,8% (GSPP) relataram piora na quarentena e 19,7% (GSPP) e 7,9% (GP) precisam de ajuda externa nas atividades. Os sobreviventes da Poliomielite se apresentam mais vulneráveis a contrair o COVID-19 assim como manifestar a forma grave da doença devido às suas condições físicas prévias e às comorbidades que apresentam.

Palavras-chave: Poliomielite; Síndrome Pós-Poliomielite; COVID-19; Quarentena.

 

Abstract

Acute Anterior Poliomyelitis left sequelae on survivors, making them need continuous treatments, making them possibly vulnerable in the COVID-19 Pandemic. This study aims to analyze the prevalence of risk factors for contracting COVID-19 as well as developing the severe form among patients with Poliomyelitis Sequelae and Post Poliomyelitis Syndrome (PPS). An epidemiological study was carried out with an online questionnaire addressing epidemiological, physical and psycho-emotional health issues. For analysis, the Chi-square test was used. A total of 383 responses were obtained, divided into: Sequelae of Poliomyelitis (GP-49%;n=190) and PPS (GSPP- 50.4%;n=193). Female gender and the age group 50-59 years were more prevalent in both groups. The most frequent involvements were monoparesis (38.9%GP; 21.7%GSPP), paraparesis (18.9%GP) and tetraparesis (16.6%GSPP). As for comorbidities, 37.4%GP and 37.3%GSPP reported Hypercholesterolemia; 42.6% GP and 47.1% GSPP Hypertension and 19.5% GP and 14.5% GSPP Diabetes. In the physical aspects, 57.9% (GP) and 65.8% (GSPP) reported worsening in quarantine and 19.7% (GSPP) and 7.9% (GP) need external help in activities. Poliomyelitis survivors are more vulnerable to contracting COVID-19 as well as manifesting the severe form of the disease due to their previous physical conditions and the comorbidities they present.

Keywords: Poliomyelitis; Postpoliomyelitis Syndrome; COVID-19; Quarantine.

 

Resumen

La Poliomielitis Anterior Aguda dejó secuelas en los sobrevivientes, haciéndolos necesitar tratamientos continuos, haciéndolos posiblemente vulnerables ante la Pandemia del COVID-19. Este estudio tiene como objetivo analizar la prevalencia de los factores de riesgo para contraer la COVID-19 y desarrollar la forma grave en pacientes con secuelas de poliomielitis y síndrome postpoliomielitis (SPP). Se realizó un estudio epidemiológico con un cuestionario en línea que abordó temas epidemiológicos, de salud física y psicoemocional. Para el análisis se utilizó la prueba de Chi-cuadrado. Se obtuvieron un total de 383 respuestas, divididas en: Secuelas de Poliomielitis (GP- 49%;n=190) y PPS (GSPP-50.4%;n=193). El sexo femenino y el grupo de edad 50-59 años fueron más prevalentes en ambos grupos. Las afectaciones más frecuentes fueron monoparesia (38,9%GP; 21,7%GSPP), paraparesia (18,9%GP) y tetraparesia (16,6%GSPP). En cuanto a las comorbilidades, el 37,4%GP y el 37,3%GSPP reportaron Hipercolesterolemia; 42,6% GP y 47,1% GSPP Hipertensión y 19,5% GP y 14,5% GSPP Diabetes. En los aspectos físicos, el 57,9% (GP) y el 65,8% (GSPP) informaron empeoramiento en la cuarentena y el 19,7% (GSPP) y el 7,9% (GP) necesitan ayuda externa en las actividades. Los sobrevivientes de poliomielitis son más vulnerables a contraer COVID-19 así como a manifestar la forma severa de la enfermedad debido a sus condiciones físicas previas y las comorbilidades que presentan.

Palabras clave: Poliomielitis; Síndrome Pospoliomielitis; COVID-19; Cuarentena.

 

1.  Introdução

Em dezembro de 2019, a COVID-19, como passou a ser chamada a infecção respiratória causada pelo SARS-CoV-2, começou a se alastrar pelo mundo e em 11 de março de 2020 foi considerada uma Pandemia pela Organização Mundial de Saúde (OMS) (World Health Organization, 2020). Embora todos estejam suscetíveis à infecção, sabe-se que a resposta imune do indivíduo infectado determina o fenótipo da doença e pode predispor a progressão para formas mais graves da COVID-19 (Brito et al., 2020). Diante disso, alguns fatores têm sido descritos como fatores de risco para um curso mais grave e mortalidade da doença, dentre eles: idade, sexo masculino, obesidade, doença cardiovascular, diabetes, hipertensão, doença pulmonar crônica, câncer, doença renal crônica e tabagismo (Hajjar et al., 2021; Shen et al., 2020; Nickel et al., 2020; Leung, 2020; Onder et al., 2020).

Diante deste cenário, uma das medidas utilizadas para reduzir a quantidade de afetados e de mortalidade pela doença, foi a quarentena obrigatória e fechamento de todos os estabelecimentos comerciais e serviços não essenciais (Brasil, 2020). Neste momento, os serviços de saúde passaram por uma rápida reorganização e readaptação, de forma que, o fluxo de atendimento presencial foi ajustado de acordo com a fase pandêmica, mensurando o risco-benefício do atendimento para cada paciente, priorizando os cuidados emergentes e urgentes em hospitais e consultórios. Ao mesmo tempo que essas medidas se fizeram necessárias para um melhor manejo da pandemia, elas poderiam trazer malefícios à saúde física, mental e limitações no quadro funcional da população (Hawryluck et al., 2004). O que pode ser agravado quando consideradas pessoas que já apresentam alguma limitação física e que necessitam de terapias que requerem uma rotina semanal tais como fisioterapia, hidroterapia e psicoterapia, que traria como consequência uma maior exposição ao vírus e vulnerabilidade. Por outro lado, a não realização da reabilitação pode acarretar em progressão acelerada das doenças neuromusculares uma vez que a falta da estimulação muscular adequada leva a atrofia por desuso (Oliveira et al., 2014).

Neste contexto, encontram-se os indivíduos acometidos com a Poliomielite na infância que apresentam sequelas e limitações físicas e podem estar associadas a outras comorbidades e ao aparecimento de novos sintomas neuromusculares - achamada SPP. Os principais sintomas dessa nova síndrome são fadiga anormal, nova fraqueza muscular (em músculos previamente afetados ou não), dores musculares ou articulares, transtornos do sono, dificuldades respiratórias, disfagia, intolerância ao frio, cãibras e redução da capacidade funcional (Oliveira et al., 2008; Oliveira & Quadros, 2009; Neves et al., 2007; Divisão de Doenças de Transmissão Hídrica e Alimentares & Centro de Vigilância Epidemiológica “Alexandre Vranjac” & Coordenadoria de Controle de Doenças & Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, 2006).

Assim, o presente estudo teve como objetivos analisar a prevalência dos fatores de risco para contrair a infecção por COVID-19, bem como os fatores de risco para a apresentação das formas mais graves da doença nos pacientes sobreviventes da Poliomielite.

 

2.  Metodologia

Estudo epidemiológico realizado no período de 15 de junho de 2020 a 21 de janeiro de 2021 com sobreviventes da Poliomielite. Foi realizado de forma virtual, através da plataforma de formulários do Google e divulgado através de link compartilhado no site da Associação G-14 de apoio aos pacientes com Poliomielite e SPP em redes sociais. O estudo foi submetido e aprovado pelo comitê de Ética e Pesquisa da Universidade Federal de São Paulo, conforme parecer 4.087.073. O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) foi apresentado na plataforma de preenchimento, de forma que os participantes só tinham acesso ao questionário após a ciência e o consentimento para participar. Assim, os pacientes foram informados do que se constituía o estudo, seus riscos e objetivos. Os e-mails dos responsáveis pelo estudo estavam disponíveis para esclarecimento de possíveis dúvidas a respeito do preenchimento ou de qualquer outra fase da pesquisa. Foram incluídos no estudo os pacientes que foram acometidos com a Poliomielite paralítica aguda na infância, podendo ter sido diagnosticados com a Síndrome Pós-Polio ou não. E excluídos os indivíduos que não aceitaram o TCLE e/ou não concluíram o questionário.

O Questionário COVID-19 e pacientes com Polio/SPP foi construído pela equipe multidisciplinar do Ambulatório de Poliomielite e SPP do Setor de Investigação em Doenças Neuromusculares (SIDNM) da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) / Hospital São Paulo (HSP) e abrange questões relacionadas à saúde física e psicoemocional neste momento de isolamento social além de dados epidemiológicos. O instrumento possui linguagem fácil e acessível à população, de forma a ser auto administrado pelos participantes. Para o presente estudo foram utilizadas as informações referentes aos dados epidemiológicos dos pacientes; informações referentes ao seu quadro clínico geral; informações relacionadas a quarentena/ isolamento social e dificuldades encontradas nesse período.

Os dados obtidos foram tabulados no banco de dados Excel Office 2010 e a analisados por meio do programa Stata (StataCorp, LC) versão 11.0. A análise descritiva foi realizada por meio de frequências absolutas (n) e relativas (%). E os resultados obtidos foram comparados entre os grupos estudados utilizando o teste Qui-quadrado. O nível de significância (p- valor) definido para este trabalho foi de 0,05 (5%). Todos os intervalos de confiança construídos ao longo do trabalho foram construídos com 95% de confiança estatística.

 

3.  Resultados

Ao final do período de coleta, participaram da pesquisa 383 participantes que foram divididos em: Grupo de pacientes que tinham apenas a Sequela de Poliomielite (GP), que equivale a 49,6% (n=190), e pacientes que além da sequela têm diagnóstico confirmado de SPP (GSPP), representado por 50,4% dos participantes (n=193). A Tabela 1 apresenta os dados de caracterização da população estudada.


Tabela 1 - Dados de caracterização da população estudada.

 

Variável

Categoria

Total

GP

GSPP

p-valor*

 

 

N (%)

 

N (%)

N (%)

Sexo

Feminino

271 (70,7%)

130 (68,4%)

141 (73%)

0,319

 

Masculino

112 (29,2%)

60 (31,6%)

52 (27%)

 

Faixa etária

30-39 anos

2 (0,5%)

1 (0,5%)

1 (0,5%)

0,929

 

40-49 anos

78 (20,7%)

41 (21,8%)

37 (19,6%)

 

 

50-59 anos

179 (47,5%)

89 (47,3%)

90 (47,6%)

 

 

60-69 anos

94 (24,9%)

44 (23,4%)

50 (26,5%)

 

 

70-79 anos

21 (5,6%)

12 (6,4%)

9 (4,8%)

 

 

acima de 80 anos

3 (0,8%)

1 (0,5%)

2 (1,1%)

 

Região de Moradia

Norte

14 (3,6%)

12 (6,3%)

2 (1%)

0,002

 

Nordeste

40 (10,4%)

28 (14,7%)

12 (6,2%)

 

 

Centro-oeste

21 (5,5%)

9 (4,7%)

12 (6,2%)

 

 

Sul

35 (9,1%)

18 (9,5%)

17 (8,8%)

 

 

Sudeste

273 (71,3%)

123 (64,7%)

150 (77,3%)

 

Cor

Branca

255 (66,6%)

119 (62,6%)

136 (70,4%)

0,219

 

Indígena

3 (0,8%)

2 (1%)

1 (0,5%)

 

 

Parda

94 (24,5%)

48 (25,2%)

46 (23,8%)

 

 

Preta

21(5,5%)

15 (7,9%)

6 (3,1%)

 

 

Amarela

10 (2,6%)

6 (3,1%)

4 (2%)

 

Escolaridade

Analfabeto/ Fundamental I incompleto

5 (1,3%)

3 (1,6%)

2 (1%)

0,562

 

Ensino Fundamental   I   completo/

Ensino      19 (4,9%)

8 (4,2%)

11 (5,7%)

 

 

Fundamental II incompleto

 

 

 

 

 

Ensino Fundamental II completo

44 (11,5%)

26 (13,7%)

18 (9,3%)

 

 

Ensino Médio incompleto

33 (8,6%)

15 (7,9%)

18 (9,3%)

 

 

Ensino superior incompleto

71 (18,5%)

33 (17,3%)

38 (19,7%)

 

 

Ensino superior completo

188 (49%)

95 (50%)

93 (48,2%)

 

 

Mestrado

14 (3,6%)

8 (4,2%)

6 (3,1%)

 

 

Doutorado

9 (2,3%)

2 (1%)

7 (3,6%)

 

Estado Civil

Divorciado (a)

39 (10,2%)

19 (10%)

20 (10,3%)

0,869

 

União estável

27 (7%)

15 (7,9%)

12 (6,2%)

 

 

Casado (a)

199 (52%)

94 (49,4%)

105 (54,4%)

 

 

Solteiro (a)

103 (27%)

54 (28,4%)

49 (25,4%)

 

 

Separado (a)

15 (4%)

8 (4,2%)

7 (3,6%)

 

Classificação IMC

Abaixo do peso

8 (2%)

3 (1,6%)

5 (2,6%)

0,269

 

Peso normal

122 (31,8%)

69 (36%)

53 (27,4%)

 

 

Sobrepeso

129 (33,7%)

62 (32%)

67 (34,7%)

 

 

Obeso

124 (32,4%)

56 (29%)

68 (35,2%)

 

Possui

Não

142 (37%)

73 (38,4%)

69 (35,7%)

0,589

plano de saúde?

Sim

241 (62,9%)

117 (61,6%)

124 (64,2%)

 

*Teste qui-quadrado. Fonte: Produzido pelos autores.

 

Foi observada prevalência do sexo Feminino com 68,4% (n=130) e 70% (n=141) no GP e GSPP respectivamente (p=0,319). A cor declarada com maior frequência foi a Branca, sem diferença estatística entre os grupos (p=0,219). A escolaridade mais frequente foi o Ensino Superior Completo em todos os grupos (50% no GP e 48,2% no GSPP). Com relação à classificação do IMC, foi observado maior frequência de obesos no GSPP, entretanto essa diferença não apresentou diferença estatística (p=0,269).

A Tabela 2 a seguir apresenta a caracterização clínica dos participantes da pesquisa.


Tabela 2 - Caracterização clínica dos participantes da pesquisa.

 

Variável

Categoria

Total

GP

GSPP

p-valor

 

 

N (%)

N (%)

N (%)

 

Acometimento

Monoparesia

120 (31%)

77 (41%)

43 (22%)

< 0,001

 

Paraparesia

76 (20%)

41 (22%)

35 (18%)

 

 

Hemiparesia

35 (9%)

19 (10%)

16 (8%)

 

 

Diparesia

17 (4%)

7 (4%)

10 (5%)

 

 

Triparesia

61 (16%)

25 (13%)

36 (19%)

 

 

Tetraparesia

73 (19%)

20 (11%)

53 (27%)

 

Você caminha?

Não

63 (16,4%)

28 (14,7%)

35 (18,1%)

0,370

 

Sim

320 (83,5%)

162 (85,2%)

158 (81,9%)

 

Forma que caminha

Caminha de forma independente

107 (27,9%)

57 (30%)

50 (25,9%)

0,372

 

Depende de bengala, muleta, andador ou de

193 (50,4%)

90 (47,4%)

103 (53,4%)

0,240

 

se apoiar em outra pessoa.

 

 

 

 

 

Faz uso de órtese/ aparelho auxiliar

95 (24,8%)

52 (27,4%)

43 (22,3%)

0,249

Uso de algum dispositivo

Muleta

99 (25,8%)

53 (27,9%)

46 (23,8%)

0,364

 

Bengala

111 (28,9%)

44 (23,1%)

67 (34,7%)

0,013

 

Andador

24 (6,3%)

9 (4,7%)

15 (7,7%)

0,220

 

Tutor longo

75 (19,6%)

42 (22,1%)

33 (17,1%)

0,217

 

Outros

153 (39,9%)

80 (42,1%)

73 (37,8%)

0,392

Utiliza cadeira de rodas?

Exclusivamente cadeirante

58 (15,1%)

24 (12,6%)

34 (17,6%)

0,005

 

Parcialmente cadeirante

107 (27,9%)

42 (22,1%)

65 (33,6%)

 

 

Não utilizo cadeira de rodas

218 (56,9%)

124 (65,2%)

94 (48,7%)

 

Comorbidades

Hipertensão

172 (44,9%)

81 (42,6%)

91 (47,1%)

0,374

 

Diabetes

65 (16,9%)

37 (19,5%)

28 (14,5%)

0,196

 

Hipercolesterolemia

143 (37,3%)

71 (37,4%)

72 (37,3%)

0,990

 

Infarto do miocárdio

19 (4,9%)

8 (4,2%)

11 (5,7%)

0,502

 

Afecções pulmonares

27 (7%)

12 (6,3%)

15 (7,7%)

0,578

 

Angina

15 (3,9%)

5 (2,6%)

10 (5,2%)

0,198

 

Afecções Osteomioarticulares

281 (73,4%)

134 (70,5%)

147 (76,2%)

0,212

 

Outras comorbidades

257 (67,1%)

115 (60,5%)

142 (73,6%)

0,007

Sente falta de ar?

Não

216 (56,4%)

121 (63,7%)

95 (49,2%)

0,004

 

Sim

167 (43,6%)

69 (36,3%)

98 (50,7%)

 

Faz uso de algum aparelho

Não

343 (89,5%)

182 (95,8%)

161 (83,4%)

<0,001

respiratório?

Sim

40 (10,4%)

8 (4,2%)

32 (16,6%)

 

Você fuma?

Não

277 (72,3%)

142 (74,7%)

135 (69,9%)

0,375

 

Sim

29 (7,6%)

11 (5,8%)

18 (9,3%)

 

 

Ex-fumante

77 (20,1%)

37 (19,5%)

40 (20,7%)

 

*Teste qui-quadrado. Fonte: Produzido pelos autores.

 

Os acometimentos mais frequentes foram a Monoparesia 41% (n=77) seguida pela Paraparesia 22 % (n=41) no GP e Monoparesia 31% (n=43) seguida por Tetraparesia 27% (n=53) no GSPP. A diferença de acometimento entre os grupos apresentou significância estatística (p<0,001). Nos aspectos físicos, foi observado que 83,5% (n=320) do total de participantes deambulam, e 47,4% (n=90) do GP e de 53,4% (n=103) do GSPP depende de algum dispositivo auxiliar ou se apoiar em outra pessoa para deambular (p=0,240), sendo a bengala o dispositivo auxiliar mais frequentemente utilizado (p=0,013). Quando analisado o uso da cadeira de rodas, foi observado que 12,6% (n=24) do GP e 17,6% (n=34) do GSPP são exclusivamente cadeirantes.

A comorbidade apontada com maior frequência foi a Hipertensão Arterial em ambos os grupos, ocorrendo em 42,6% (n=81) dos participantes do GP e 47,1% (n=91) do GSPP (p=0,374). A segunda comorbidade mais frequente foi a Hipercolesterolemia com 37,4% (n=71) no GP e 37,3% (n=72) no GSPP. Um total de 50,7% (n=98) do GSPP relataram sentir falta de ar, enquanto no GP a frequência foi de 36,3% (n=69), sendo essa diferença estatisticamente significante (p=0,004). Apesar do elevado número de indivíduos com sintomas respiratórios, apenas 16,6% (n=32) dos pacientes do GSPP e 4,2% (n=8) do GP fazem uso de algum aparelho respiratório (p<0,001).

A Tabela 3 apresenta a distribuição das dificuldades apresentadas no período estudado.

 

 

Tabela 3 - Distribuição das dificuldades apresentadas no período estudado.

 

Dificuldades na pandemia

Total

GP

GSPP

p-valor

 

N (%)

N (%)

N (%)

 

Piora no aspecto físico devido à quarentena

237 (61,8%)

110 (57,9%)

127 (65,8%)

0,111

Estou tendo mais dificuldade para realizar minhas atividades de casa e de autocuidado

106 (27,7%)

48 (25,2%)

58 (30%)

0,295

Cuido de um familiar (filhos, adulto/ idoso debilitado)

56 (14,6%)

26 (13,7%)

30 (15,5%)

0,607

Preciso da ajuda de outras pessoas que não moram comigo para realizar minhas tarefas

53 (13,8%)

15 (7,9%)

38 (19,7%)

0,001

Não tenho quem me ajude, eu mesmo preciso sair para ir ao mercado, farmácia e pagar contas

63 (16,4%)

31 (16,3%)

32 (16,6%)

0,944

Continuo saindo de casa para trabalhar normalmente

24 (6,3%)

21 (11%)

3 (1,5%)

<0,001

Preciso sair ocasionalmente para realizar tratamentos relacionados com a minha saúde

183 (47,8%)

81 (42,6%)

102 (52,8%)

0,045

Saio de casa normalmente como fazia antes da CoVID-19.

5 (1,3%)

4 (2,1%)

1 (0,5%)

0,171

A quarentena interferiu na minha rotina de tratamento como fisioterapia; hidroterapia; terapia ocupacional; psicoterapia; orientação nutricional

196 (51,2%)

71 (37,4%)

125 (64,8%)

<0,001

Estou sem tratamentos e orientações, me sinto abandonado

99 (25,8%)

47 (24,7%)

52 (26,9%)

0,622

Me sinto mais vulnerável do que as outras pessoas (por conta da minha condição física)

162 (42,3%)

72 (37,9%)

90 (46,6%)

0,084

*Teste qui-quadrado. Fonte: Produzido pelos autores.

 

Na pesquisa foram apontadas possíveis dificuldades que poderiam estar sendo enfrentadas pelos pacientes durante a pandemia. Dentre elas, 61,8% (n=237) dos respondentes relataram alguma piora no aspecto físico (fraqueza muscular, dor ou fadiga) devido à quarentena. A piora não mostrou diferença estatística quando avaliada entre os grupos GP e GSPP (p=0,111). Um aumento na dificuldade para realizar as atividades de casa e de autocuidado foi apontado por 52,2% (n=48) do GP e 30% (n=58) do GSPP, sem diferença estatística entre os grupos (p=0,295). Cerca de 14,6% (n=56) dos participantes afirmaram ter que cuidar de um familiar debilitado e 13,8 % (n=53) afirmaram necessitar de ajuda de pessoas externas para realizar as tarefas diárias. A necessidade de auxílio de pessoas externas se mostrou mais frequente no GSPP com 19,7% (n=38) contra 7,9% (n=15) no GP, essa diferença apresentou significância estatística (p=0,001).

A saída de casa durante o período de quarentena foi necessária quando o paciente não tinha quem o ajudasse a fazer compras ou pagar contas (16,4%, n=63), tinha que trabalhar normalmente (6,3%, n=24) e necessitava realizar tratamentos relacionados à saúde (47,8%, n=183). Poucos participantes relataram estar saindo de casa normalmente como fazia antes do CoVID-19 (1,3%, n= 5). Para 51,2% (n=196) dos participantes, a quarentena interferiu na rotina de tratamento, sendo mais evidente no GSPP com 64,8% (p<0,001).

 

4.  Discussão

O presente estudo foi realizado com a população vítima de epidemias causadas pelo poliovírus. Trata-se do estudo epidemiológico com uma das maiores amostras de pacientes com Sequela de Poliomielite, sem delimitação de faixa etária - os últimos estudos brasileiros tinham como fator de exclusão os indivíduos com idade maior que 60 anos a fim de eliminar a sobreposição de sintomas da SPP com as complicações decorrentes do envelhecimento (Motta et al., 2020; Quadros et al., 2012). O período epidêmico da Poliomielite no Brasil se passou principalmente na metade do século XX, o que justifica a faixa etária prevalente da população encontrada no presente estudo, no qual foi demonstrado que 46,7% das pessoas possuem idade entre 50 a 60 anos. Sendo o último caso no Brasil relatado em 1989 (Oliveira et al., 2008).

Os dados do presente trabalho mostram uma prevalência de 50,4% de SPP entre os pacientes com poliomielite prévia. Esse número difere do encontrado em estudo na população brasileira que apontou que 68% dos pacientes que tiveram a poliomielite desenvolveram a SPP (Quadros et al., 2012). Essa diferença pode ser explicada por possíveis casos de subnotificação no diagnóstico de SPP, uma vez que a presente pesquisa aceitou respostas de pacientes que não fazem acompanhamento em um centro especializado e podem apresentar os sintomas de SPP mas não estar com diagnóstico fechado.

A predominância do sexo feminino já foi demonstrada em estudos prévios (Motta et al., 2020; Quadros et al., 2012; Conde et al., 2009), assim como a prevalência da raça branca independentemente do grupo ao qual o paciente pertence (Motta, 2017). Poucos são os dados referentes à epidemiologia dos pacientes com poliomielite com relação à raça. Quando comparado à população brasileira, foi observado que em 2019, a cor declarada pela população era prioritariamente a parda (46,8%) seguida pela cor branca (42,7%) e preta (9,7%) (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2019a). No presente trabalho, a distribuição de brancos, pardos e pretos na população foi de 66,6%, 25,5% e 5,5%, respectivamente.

Quando analisada a escolaridade, foi observado que 49% dos participantes da pesquisa apresentaram superior completo, sendo 50% no GP e 48,2% no GSPP, sem diferença estatística entre os grupos. Esse número é maior que o encontrado na população brasileira, que foi de 17,4% em 2019. E corrobora com o encontrado em estudo prévio que demonstrou que a média de anos de estudo foi maior do que a média apresentada pela população brasileira (Conde et al., 2009). A escolaridade tem sido relacionada com a gravidade da doença e com aparecimento da SPP (Conde et al., 2009; Pereira et al., 2017), sendo sugerido que as pessoas com maior escolaridade apresentam mais conhecimento acerca da doença, e consequentemente procuram por atendimento especializado. Além disso, maior escolaridade tem sido correlacionada com menor gasto energético nas atividades físicas ocupacionais, podendo se caracterizar como fator protetor para a SPP (Pereira et al., 2017).

Acredita-se que os pacientes com doenças neuromusculares estejam mais suscetíveis a manifestar os sintomas graves de COVID-19 especialmente os que apresentam envolvimento bulbar. Neste sentido, Guidon et al afirmam que a infecção é um gatilho comum de exacerbação ou progressão da doença de base em alguns pacientes com doença neuromuscular, tanto hereditários como imunomediados. E reforçam que as condições para exacerbação estão principalmente relacionadas ao grau de disfunção cardíaca e respiratória basal, fraqueza bulbar, fisiopatologia da doença subjacente e comorbidades relacionadas (Guidon & Amato, 2020).

Na presente pesquisa, a comorbidade mais frequente foi a Hipertensão Arterial. Afetando 42,6% dos indivíduos do GP e um percentual ainda maior no Grupo SPP 47,1%. Este valor encontrado é cerca de duas vezes maior que o valor encontrado na população brasileira - segundo a Pesquisa Nacional de Saúde realizada em 2019, a proporção de indivíduos acima de 18 anos que referiram apresentar HAS foi de 23,9% (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2019a). Esse é um dado importante diante do cenário pandêmico em que estamos, uma vez que pesquisas têm demonstrado que a hipertensão arterial é um fator de risco independente para gravidade e mortalidade por CoVID-19 (Fang et al., 2020; Grasseli et al., 2020; Parohan et al., 2021; Gao et al., 2021).

A Hipercolesterolemia foi a segunda comorbidade mais prevalente, sendo referida por 37,4% dos participantes do GP e 37,3% do GSPP. Esse número representa quase o dobro da frequência encontrada na população brasileira em geral, na qual a hipercolesterolemia ocorre em 14,6% das pessoas acima de 18 anos (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2019a). Um estudo realizado em Unidades de Terapia Intensiva na Itália analisou 3988 pacientes com COVID-19 e observou que a Hipercolesterolemia foi associada à mortalidade em análise univariada. E após análise multivariada, foi observado que das comorbidades estudadas, a presença de Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC), Hipercolesterolemia e Diabetes tiveram associação significativa com a mortalidade (Grasseli et al., 2020).

Segundo exposto na V Diretriz Brasileira de Dislipidemias e Prevenção da Aterosclerose, para o tratamento adequado dos elevados níveis de colesterol e triglicerídeos sanguíneos, é necessário que haja uma adesão à dieta, às correções no estilo de vida com perda de peso, atividade física e cessação do tabagismo (Sociedade Brasileira de Cardiologia, 2013). Acredita-se que o sedentarismo possa ser um fator de risco modificável predominante para esse aumento da chance de desenvolver doença coronariana na população sobrevivente da poliomielite (Orsini et al., 2016). E nesse sentido, as alterações do sistema musculoesquelético, em especial na SPP, constituem-se como os principais fatores para a inatividade física, o que pode resultar em descondicionamento, ganho de peso, alterações no colesterol e dislipidemia (Orsini et al., 2016; Nollet et al., 2001).

A mudança no estilo de vida com manutenção da atividade física regular e perda de peso também é um fator importante para a redução da taxa do desenvolvimento da diabetes em pessoas com maior risco de desenvolver diabetes tipo 2. A diabetes também tem sido associada de forma significativa com a gravidade e mortalidade em pacientes com COVID-19 (Fang et al., 2020; Grasselli et al., 2020; Gao et al., 2021). Em revisão sistemática com metanálise foi observado que pessoas com diabetes têm um risco 241% maior de morrer pela infecção por SARS-CoV 2 (Parohan et al., 2021). E assim como outras comorbidades, o presente estudo demonstrou uma maior frequência da diabetes nos pacientes analisados (19,5% no GP e 14,5% no GSPP) quando comparado com a população brasileira com idade acima de 18 anos (7,7% - PNS 2019) (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2019a).

Com relação à classificação do Índice de Massa Corpórea (IMC), foi observada maior frequência de obesidade nos indivíduos com diagnóstico de SPP (35,2%) entretanto sem diferença estatística quando comparado com o Grupo de pessoas com Sequela da Poliomielite (29%; p=0,269). Esse número é um pouco maior que o encontrado na população brasileira - segundo a Pesquisa Nacional de Saúde realizada em 2019, 25,9% da população são obesos e 60,3% estão acima do peso (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2019b). A obesidade constitui um importante fator de risco para o aumento da morbimortalidade das doenças crônicas não transmissíveis e consequentemente, um problema de saúde pública. Além disso, a obesidade tem sido reportada como fator de aumento de hospitalização e gravidade em pessoas acometidas por COVID-19 assim como, alta gravidade e maior tempo de internação, apresentando correlação positiva com o IMC (Gao et al., 2021).

No paciente com doença neuromuscular, a queixa da falta de ar comumente está relacionada à fraqueza da musculatura respiratória (Guidon et al., 2020). Na presente pesquisa, a falta de ar ocorreu numa frequência de 50,7% do GSPP e 36,3% no GP apenas. Entretanto, adicionalmente à doença de base, parte dessa população apresenta alguma afecção pulmonar prévia associada (6,3% no GP e 7,7% no GSPP) e 5,8% do GP e 29,3% no GSPP são tabagistas ativos ou ex- tabagistas (19,5% no GP e 20,7% no GSPP). Podendo constituir-se como fatores de afecção pulmonar que podem cursar com dispnéia.

Embora a relação entre pacientes asmáticos e a gravidade da COVID-19 seja controversa, existe um aumento da evidência demonstrando que o hábito de fumar está associado com gravidade e mortalidade pela COVID 19 (Gao et al., 2021; Reddy et al., 2021). Além disso, tanto fumantes como ex-fumantes apresentam elevado risco de mortalidade intra-hospitalar, progressão da doença e necessidade de ventilação mecânica (Gao et al., 2021; Reddy et al., 2021). Fang et al relatam o DPOC (Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica) como um fator principal predominante para a gravidade e prognóstico da COVID19 (Fang et al 2020).

Além das comorbidades associadas à clínica dos pacientes, 73,4% dos pacientes estudados relataram apresentar alguma afecção Osteomioarticular, que apesar de ser mais relatada no GSPP (76,2%), não demonstrou diferença estatística com o GP (70,5%). Essas comorbidades somadas às alterações prévias, favorecem a menor mobilidade que acarreta em maiores dificuldades enfrentadas no dia-a-dia tornando-os ainda mais vulneráveis uma vez que, as medidas como o distanciamento social e auto isolamento são mais complicadas e, até mesmo, impossíveis para aqueles que dependem de outras pessoas para suas atividades de vida diária (World Health Organization, 2013).

Na presente pesquisa, 27,7% das pessoas relataram mais dificuldade para realizar as tarefas de casa e de autocuidado e 13,8% precisam de ajuda de outras pessoas que não moram com elas para realizar as suas tarefas. Quando analisado entre grupos, 7,9% do GP e 19,7% do GSPP precisam da ajuda de pessoas externas. Essa diferença se mostrou estatisticamente significante (p=0,001) demonstrando uma maior dependência das pessoas que apresentam o diagnóstico da SPP, o que pode ser explicado pelo surgimento dos novos sintomas que, juntamente com as deficiências primárias, levam a maiores restrições (Oliveira et al., 2014).

Devido às condições físicas, a dependência do público investigado se estende à deambulação. Neste sentido, foi observado que 50,4% dos participantes necessitam de algum dispositivo ou se apoiam em outra pessoa para deambular, apresentando frequência semelhante quando analisado em grupos (47,4% no GP e 53,4% no GSPP). A necessidade de dispositivos ou de apoio em outras pessoas pode aumentar o risco de contaminação por COVID-19 uma vez que a transmissão viral é afetada por uma combinação de características seja do próprio vírus, do hospedeiro ou do ambiente (Meyerowitz et al., 2021). E como observado no presente estudo, cerca de metade dos pacientes dependem de dispositivos para deambular, dispositivos esses que podem se tornar veículo de transmissão uma vez que a viabilidade do vírus pode chegar até 72 horas em várias superfícies (Meyerowitz et al., 2021).

Como agravo, a OMS alerta para as barreiras que os indivíduos com deficiência podem encontrar para realizar medidas básicas de higiene, como lavar as mãos, relatando por exemplo, a inconformidade com instalações inacessíveis e a dificuldade física para higienização de forma adequada (World Health Organization, 2013). Apesar do alerta, ressalta-se a ausência de recomendações voltadas às pessoas com deficiência física no combate à Pandemia por COVID-19. Uma vez que, não foram encontradas orientações oficiais a respeito da melhor forma de higienização de órteses e cadeira de rodas, por exemplo, causando insegurança nos pacientes, podendo acarretar em aumento do risco, principalmente para os pacientes com maiores acometimentos (Boyle et al., 2020).

Quando avaliado o acometimento, foi possível observar a frequência de pacientes que apresentam sequelas em múltiplos membros - especialmente os pacientes com SPP que apresentam uma frequência maior de tetraparesia, o que pode dificultar ainda mais a realização dessas medidas de higiene. Essa dependência pode ser agravada quando o paciente tem que cuidar de algum familiar que também se encontra em situação de dependência (filhos, adulto/ idoso debilitado) (World Health Organization, 2013). No presente estudo a situação ocorreu em 13,7% do GP e 15,5% do GSPP, não apresentando diferença estatística entre os grupos.

A OMS enfatiza que pessoas com deficiência podem ser desproporcionalmente impactadas pela resposta ao surto de COVID-19 e retrata a interrupção dos serviços aos quais as pessoas com deficiência são dependentes como fator contribuinte para isso (World Health Organization 2013). Nesse sentido, 64,8% do GSPP e 37,4% do GP responderam que a quarentena interferiu na rotina de tratamento multidisciplinar (fisioterapia, hidroterapia, terapia ocupacional, psicoterapia e orientação nutricional). Essa resposta apresentou diferença estatística (p<0,001) entre os grupos sugerindo maior dependência dos pacientes com SPP ao processo de reabilitação com equipe multidisciplinar. Assim, a desassistência para essa população também se expressa na diminuição da oferta dos serviços necessários, uma vez que, elas podem apresentar declínios funcionais (Reichenberger et al., 2020).

Apesar do isolamento social e outras medidas tomadas para conter a disseminação do SARS-CoV 2 serem de extrema importância no combate à pandemia, essa mesma condição pode trazer malefícios à população, interferindo na saúde mental e agravos da condição física (Hawryluck et al., 2004). No presente trabalho, 57,9% do GP e 65,8% do GSPP relataram piora dos aspectos físicos durante a quarentena e 24,7% do GP e 26,9% do GSPP referiram sentimento de abandono pela falta de orientações e tratamentos, não apresentando diferença estatística entre os grupos.

Assim, ao mesmo tempo que esses pacientes necessitam da rotina de tratamentos, a saída de casa e contato com outras pessoas poderia trazer maior exposição ao vírus e vulnerabilidade em momento de pandemia. Além dos tratamentos de rotina, devido ao grande número de comorbidades, os pacientes acabam necessitando sair, mesmo durante o período de isolamento social, para realizar tratamentos relacionados à saúde. Essa situação apareceu com maior frequência no GSPP (52,8%), apresentando diferença estatisticamente significante entre os grupos (p=0,045).

 

5.  Considerações Finais

Diante dos dados apresentados, foi possível notar a presença de diversos fatores que evidenciam a vulnerabilidade a qual a população Sobrevivente da Poliomielite está exposta. Além de ser um grupo que necessita de assistência individualizada, durante o período pandêmico, foi possível observar o impacto das desigualdades na saúde da população com deficiência e que apresentam mais dificuldade para realizar medidas de isolamento social, higiene e o autocuidado necessário segundo as normas vigentes. A pandemia enfatiza a necessidade de criação de mecanismos de cuidados específicos para as pessoas com deficiência. Uma vez que, além dos fatores relacionados à complicação da doença de base, somam-se as comorbidades apresentadas em maior frequência por esse público e os fatores sociais e ambientais.

Os sobreviventes da Poliomielite apresentam-se mais vulneráveis a contrair a infecção por COVID-19, assim como, apresentam maior risco de manifestar a forma grave da doença devido às suas condições físicas prévias e às comorbidades associadas, que foram evidenciadas mais frequentes quando comparadas à população brasileira. O presente trabalho pôde evidenciar a maior gravidade dos pacientes acometidos com a SPP, demonstrando a alteração de acometimento e a maior dependência em alguns aspectos dos cuidados diários, bem como maior dependência dos serviços de reabilitação que foram cancelados durante o período da pandemia por COVID-19.

Se fazem necessários novos estudos a fim de demonstrar na prática qual o real risco de contaminação, além de análises que possam demonstrar o efeito da infecção por COVID-19 nos indivíduos com Sequela de Poliomielite e Síndrome Pós-Poliomielite. É essencial que haja maior visibilidade às dificuldades enfrentadas pela população com Sequela de Poliomielite e SPP. Assim como por todas as pessoas com deficiência para que assim seja estimulada a elaboração de políticas públicas direcionadas.

Em tempo, pela nova Classificação Internacional de Doença (CID 11), o código para Síndrome Pós Poliomielite é 8B62 com descrição Atrofia Muscular Progressiva relacionada à Síndrome Pós Poliomielite.

 

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