28 outubro 2013

Síndrome Pós-Póliomielite

 Por Meire G. (do Salada Médica) e Karl




Poliós (πολιός) em grego quer dizer “cinza”; myelós (µυελός), medula. Em 1874, o médico alemão Adolph Kussmaul (1822-1902) cunhou o nome da doença a partir de achados patológicos da medula espinhal de pacientes com a paralisia. A pólio já era conhecida dos egípcios constando em inscrições de 1400 AC, mas entrou para o hall da fama das moléstias humanas apenas na década de 50. A pandemia de poliomielite tomou de assalto a Europa e os EUA tendo como características peculiares, o alto número de casos do que foi chamado de pólio bulbar, no qual o paciente, a grande maioria crianças, perde a força da musculatura respiratória necessitando ventilação mecânica para não morrer sufocado.
O vírus da pólio é muito semelhante aos rhinovirus (RV), um dos causadores do resfriado comum, chegando a ter 45-62% de semelhança em seus genomas diferindo, entretanto, na construção da capa viral. Isso impede que o RV penetre na mucosa do intestino, mantendo-o nas vias aéreas superiores. Partilham entre si, no entanto, a alta infectividade de humano para humano, e daí as consequências desastrosas para o caso da pólio.
O último caso de poliomielite no Brasil data de 1990, tendo sido considerada erradicada das Américas em 1994. Em 2000 foi declarada oficialmente eliminada de 37 países do Pacífico Ocidental incluindo China e Austrália. A Europa foi declarada livre da pólio apenas em 2002. Em 2012, a pólio permanecia endêmica somente em três países: Nigéria, Paquistão e Afeganistão, muito devido a problemas religiosos associados à distribuição das vacinas à população. Infelizmente, o vírus da Polio acometeu muitas pessoas no Brasil deixando um número considerável delas com a conhecida deficiência física. Por outro lado, boa parte das pessoas com sequelas adaptou-se à limitação, cresceu, teve filhos, trabalha. Assim como outras pessoas com necessidades especiais, elas brigaram por seus direitos e hoje existe uma legislação contemplando esta população.
Muitos desses adultos estão enfrentando uma segunda grande batalha da doença: a síndrome pós-poliomielite (SPP). Boa parte dos médicos brasileiros em atividade hoje – nos quais nos incluímos – nunca viu um caso de pólio aguda, mas todos conhecemos suas sequelas. Agora é necessário uma atualização para o diagnóstico dessa complicação tardia de modo a dar o encaminhamento correto aos nossos pacientes. Há um interessante manual sobre isso disponível em pdf para download aqui.
A SPP vai se instalando devagar, depois de muitos anos: a perda de funções que as pessoas  tão bravamente conseguiram manter ocorre por volta dos 35 anos anos de idade, justamente na fase em que estão se estabilizando na vida e cuidando dos seus filhos.

O que ocorre?

A pessoa começa a apresentar um declínio das funções do membro acometido pela Polio no passado. Pode haver, em maior ou menor grau, cansaço, dor, alteração na mecânica do corpo, sintomas psicológicos, déficit de memória e piora da atrofia muscular, inclusive com osteoporose associada. Nos casos mais sérios pode haver inclusive alteração na deglutição e na respiração.
O enfoque principal do tratamento é a fisioterapia motora, além dos cuidados de se evitar exposição a agentes tóxicos para o tecido nervoso, como as bebidas alcoólicas. Evitar o excesso de peso e uso de órteses de compensação, com bengalas, por exemplo, são estratégias que não podem ser esquecidas. Outra coisa importante: a exposição a baixas temperaturas é um agravante para a dor.
Os trabalhadores sintomáticos devem passar por consultas com médicos do trabalho a fim de, preferencialmente, serem reabilitados para uma função compatível com o novo quadro. Os trabalhadores em situação de invalidez devem ser encaminhados para exame médico-pericial, de acordo com o regime de previdência ao qual estejam vinculados.O trabalhador em alto risco social e que não esteja vinculado a nenhum seguro sendo, portanto, excluído do direito à percepção de benefícios por incapacidade, deve entrar com um requerimento de Amparo Social junto ao INSS, através do telefone 135.
A atual geração de médicos, esperamos, seja a última a ver tais casos. Tomara a SPP seja o último suspiro da nêmesis humana que foi a poliomielite e que ela sobreviva apenas em interessantes obras ficcionais como a de mesmo nome de Philip Roth. A SPP e as obras de arte servem para lembrarmos do medo e da tristeza que ela espalhou e ora espalha, para comemorarmos nossas conquistas e jamais esquecermos daqueles que trabalharam para que nos víssemos livres. Ao menos desse mal.

Figura acima. Triste Herência. de Joaquín Sorolla (1863-1923). 212 cm × 288 cm, 1899. Coleção privada. A obra representa uma cena real da praia de Cabañal na cidade de Valência na Espanha. Nela são representadas crianças com problemas locomotores em um banho de mar em busca de suas propriedades curativas. A figura central é muito sugestiva de uma criança com as características sequelas da poliomielite, bastante comum na época, sendo amparada por um religioso da Ordem de San Juan de Dios.
Figura abaixo. Christina’s World de Andrew Wyeth (EUA, 1917-2009) de 1948. Têmpera em painel gessado. 81,9 x 121,3 cm. Museum of Modern Art, New York. Anna Christina Olson (1893-1968) foi acometida por uma doença degenerativa que a impediu de andar por volta de 1920. Apesar de não ter o diagnóstico correto, a paralisia foi atribuída à poliomielite. Wyeth a conheceu quando ela tinha aproximadamente 50 anos, apresentada por sua futura esposa, Betsy. A figura feminina que rasteja em direção à sua casa da fazenda, de fato a propriedade dos Olson, tem as pernas de Christina e o jovem torso de Betsy, à época, com pouco mais que vinte anos.

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