16 janeiro 2014
Pólio na Síria e em Israel ameaça a Europa.
Por Declan Butler e Revista Nature
Para muitos europeus, a poliomielite é um inimigo do passado. Mas, pela primeira vez em nos, existe um risco de que a ameaçadora paralisia esteja prestes a retornar. O póliovírus ressurgiu no limite sudeste da Europa – em Israel e na Síria – deixando autoridades de saúde pública preocupados com a doença, que pode ser importada e se estabelecer mais uma vez no continente.
A Europa é surpreendemente vulnerável. A Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou a região europeia, atualmente com 53 países de Portugal à Rússia, livre da pólio em 2002. Desde então, muitos países baixaram a guarda. Sistemas de vigilância frequentemente incompletos e de baixa qualidade, além de taxas de vacinação abaixo do ideal significam que muitos países, incluindo o Reino Unido e a Alemanha, são considerados suscetíveis a surtos iniciados por casos vindos do exterior.
A situação é um “sinal de alerta”, declara Marc Sprenger, diretor do Centro Europeu de Prevenção e Controle de Doenças (ECDC) em Estocolmo. Dadas as fraquezas nas defesas europeias contra a pólio, os níveis extensos de viagens entre Europa e Israel, e os milhões de refugiados deixando a Síria, o ECDC acredita que existe um risco real de surtos na União Europeia (UE). Estados-membros estão levando a ameaça de importação [da doença] “extremamente a sério”, adiciona Sprenger.
O esforço para erradicar a pólio deu grandes passos desde o lançamento da Iniciativa Global de Erradicação da Pólio, em 1988. Naquela época, 350 mil crianças, em 125 países, sofriam com paralisia todos os anos. Esses números foram reduzidos em mais de 99% nos últimos 25 anos, com apenas 223 casos no ano passado. Atualmente a pólio é endêmica em apenas três países: Afeganistão, Nigéria e Paquistão. Casos importados esporádicos, no entanto, continuam a ocorrer, particularmente na África; um surto na Somália provocou 174 casos até agora.
A ameaça mais recente surgiu em 19 de outubro, quando a OMS relatou um conjunto de casos de paralisia flácida aguda – um sintoma clássico da pólio – em Deir-ez-Zor, uma província em conflito no leste da Síria. Dois dos 22 casos foram confirmados como pólio por autoridades nacionais e, em 29 de outubro, a OMS confirmou um total de 10. As autoridades acreditaram no pior. “Todos os casos estão se transformando em surtos”, contou à Nature Oliver Rosenbauer, porta-voz da Iniciativa Global de Erradicação da Pólio na OMS em Genebra, na Suíça.
A AMEAÇA DA PÓLIO
Alguns países europeus correm mais riscos de um surto de pólio iniciado por casos estrangeiros, devido à pouca vigilância e a taxas de vacinação abaixo do ideal
Fonte: Organização Mundial de Saúde. Report of the 27th Meeting of the European Regional Certification Commission for Poliomyelitis Eradication (WHO, 2013), in Scientific American (http://goo.gl/DhD0Qf)
Os casos provavelmente são resultado de uma queda brusca nas taxas de imunização infantil na Síria, devido à guerra em andamento. Como a tendência é que existam cerca de 200 casos não-sintomáticos de pólio para cada caso de paralisia, o cojunto de casos provavelmente é “apenas a ponta do iceberg”, observa Sprenger. Existe um grande risco de a doença se tornar endêmica na Síria, adiciona Rosenbauer.
Israel enfrenta uma situação diferente, mas também preocupante. O país tem altos níveis de imunização infantil contra a pólio, mas um póliovírus diferente foi encontrado no esgoto de várias cidades ao sul de Israel desde fevereiro. O vírus também foi detectado na Cisjordânia e em Gaza. O ECDC e a OMS estimam um alto risco de disseminação internacional do póliovírus a partir de Israel, dada a prolongada circulação do vírus sobre uma grande área.
Até o momento, Israel identificou 42 pessoas eliminando póliovírus em suas fezes. Nenhuma delas tinha sintomas de paralisia, e todas tinham sido completamente imunizadas com a vacina inativada de poliomielite (VIP), que é usada em imunizações de rotina e protege contra todas as cepas de pólio. Essa é a primeira vez em que um vírus diferente de pólio foi encontrado sem quaisquer casos clínicos.
A maioria dos países europeus usa a VIP, e se expostos à pólio estrangeira eles poderiam ter que enfrentar a disseminação silenciosa do vírus também no ambiente, o que colocaria em risco populações não-vacinadas, particularmente crianças. A VIP concede um alto nível de proteção individual, mas fornece pouca imunidade intestinal, o que significa que pessoas vacinadas ainda podem espalhar o vírus através de fezes.
Uma alternativa é a vacina oral contra a poliomielite (VOP), uma forma enfraquecida do vírus vivo que fornece uma grande imunidade intestinal e evita a disseminação fecal. Ela é usada para vacinações em massa e controle de surtos por ser eficaz, barata e fácil de administrar. Em casos raros, porém, a vacina pode provocar a doença, então países livres da doença preferem usar a VIP, que não carrega esse risco.
Para deter a transmissão silenciosa, Israel administrou a VOP para mais de 890 mil crianças desde agosto, e a Síria começou a administrar a VOP para 2,4 milhões de crianças. A OMS e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) estão planejando uma campanha de vacinação em todos os países vizinhos. A aparição da pólio “terá implicações além da Síria”, prevê Rosenbauer.
Os eficazes sistemas de vigilância de esgoto de Israel conseguiram detectar o vírus antes de ocorrer quaisquer casos clínicos ocorrerem mas, na Europa, apenas alguns países monitoram os esgotos.
A vigilância da paralisia flácida aguda também é frequentemente fraca. O risco de que casos importados possam passar sem detecção e se espalharem antes de provocarem surtos é real, alerta Sprenger. Europeus vacinados estariam protegidos. Mas em muitos países, incluindo Ucrânia, Romênia e até algumas nações mais ricas, as taxas de vacinação contra a pólio podem estar abaixo do ideal. Cerca de 12 milhões de crianças da União Europeia não estão vacinadas contra a pólio.
“Nós precisamos melhorar a vigilância ambiental e não esperar até termos um caso clínico de pólio”, conclui Sprenger.
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