Algumas pessoas que tiveram poliomielite na infância podem enfrentar dores e complicações na vida adulta. Como a pólio foi erradicada, há uma grande desinformação sobre a doença, principalmente no meio médico.
"A medicina não se preparou para nosso futuro", lamenta Maria Eunice
Só descobri o que tenho por meio
da internet”, revolta-se a funcionária pública Maria Eunice Macedo, de 49 anos.
Infectada pelo vírus da poliomielite na infância, o que lhe trouxe como
sequelas uma perna atrofiada e problemas na coluna, ela, recentemente, começou
a sentir dores insuportáveis pelo corpo e diz estar perdendo aos poucos os
movimentos do braço esquerdo. Procurou vários especialistas, que não lhe deram
um diagnóstico exato. Por sites e conversas com outros portadores da doença,
Eunice chegou a conclusão de que sofre da síndrome da pós-poliomielite (SPP).
Considerada a segunda batalha de alguns que foram infectados pela pólio, essa
nova condição vem carregada de complicações graves aos pacientes e não é
conhecida por muitos médicos, o que dificulta ainda mais o tratamento. “A
medicina não se preparou para o nosso futuro”, lamenta a funcionária pública.
E
ela tem razão. “O estado, a medicina e a sociedade foram omissos em
relação a esses pacientes da pólio. Fomos negligentes”, critica o
neurologista e professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp)
Acary Souza Bulle Oliveira. Membro fundador da Associação Brasileira da
Síndrome do Pós -Pólio, o especialista diz que, com a chegada da vacina
no país em 1989 e a erradicação da doença, atualmente os cursos de
medicina não falam para os futuros profissionais sobre a poliomielite,
ainda que haja muitos pacientes sobreviventes. Segundo Oliveira, há
aqueles que tiveram comprometimento dos membros, geralmente inferiores, e
carregam sequelas desde leves até graves. Desses, 70% vão enfrentar a
segunda batalha e, geralmente, são mulheres que sofreram a poliomielite
aos 3 anos de idade.
Mas essas pessoas envelheceram, algumas
foram submetidas a cirurgias e todas tiveram que se adaptar às
limitações que o vírus trouxe. “São pessoas lutadoras, que foram para o
mercado de trabalho e levaram a vida, mesmo com suas dificuldades de
locomoção”, comenta Acary. Mas, agora, depois de 30, 40 anos da doença
original, para alguns, conforme diz o especialista, os corredores
começaram a ficar maiores e as escadas parecem mais altas. “Essa
fraqueza mais acentuada não vem sozinha. Ela traz dores, fadiga,
transtornos de sono. Essa pessoa se vê mais limitada, e aí há o risco de
desenvolver uma depressão e a ansiedade”, acrescenta o neurologista.
São esses sintomas que fazem parte da chamada síndrome da
pós-poliomielite. “Ninguém sabe, ninguém fala. Para aliviar minha dor,
tomo analgésico todos os dias. Você procura um ortopedista e ele fala
que houve uma lesão no tendão e pronto”, reclama Maria Eunice.
Definida como uma desordem neurológica, ela produz um conjunto de
manifestações clínicas. “Mas não quer dizer que todos que tiveram a
poliomielite a terão. Há cinco décadas, as pessoas com poliomielite
morriam mais cedo. Hoje em dia, com os avanços da medicina, elas estão
vivendo mais, assim como a população em geral. Então, quando essas
pessoas chegam aos 40 anos, a síndrome aparece”, afirma a neurologista e
presidente da Sociedade Mineira de Neurologia, Rosamaria Peixoto
Guimarães.
Essa segunda batalha da pólio tem como sintomas a fraqueza, que pode ser
progressiva, fadiga, dor muscular ou articular, nova atrofia muscular,
insuficiência respiratória, alterações no sono e intolerância ao frio.
Rosamaria destaca, como principais, a fraqueza nos membros já afetados
pela pólio, dores musculares, fadiga e cãibra. “A poliomielite,
geralmente, causa atrofia nos membros inferiores. A pessoa consegue
viver estável muitos anos da sua vida. Quando vem a síndrome, é como se
houvesse uma piora”, acrescenta Rosamaria. “Há uma exacerbação das dores
musculares, há fraquezas, pode aparecer até mesmo uma dor de cabeça
intensa. Todos os sintomas dificultam as atividades diárias do
paciente”, comenta o médico fisiatra, reumatologista e o presidente da
Associação Brasileira de Medicina Física e de Reabilitação, Jomar de
Abreu Cunha.
Há várias descrições de casos da
síndrome pós-pólio (SPP) desde 1875, especialmente relacionados a epidemias que
ocorreram na primeira metade do século 20, em várias partes do mundo. Foi,
contudo, na década de 1970 e início dos anos 1980 que se observou uma procura
crescente de sobreviventes da poliomielite aos serviços de saúde relatando
esses novos sintomas, primeiramente, interpretados como de natureza
psicológica. Atualmente, não existem estatísticas precisas sobre o número de
portadores da SPP no Brasil. Somente em 2010 a enfermidade foi incluída no
Catálogo Internacional de Doenças (CID 2010), graças a um trabalho desenvolvido
por pesquisadores brasileiros na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
Acary Souza Bulle Oliveira é um dos responsáveis pelo ingresso da síndrome na
CID, que tem como código o G14. “A pós-pólio não pode ser considerada uma
sequela da poliomielite. É uma condição, o que permite à pessoa que sofre com a
síndrome se aposentar”, comenta.
QUEM DEVE ESTAR ALERTA PARA A DOENÇA
» Quem teve poliomielite aguda – ou paralisia infantil – quando criança ou adolescente;
» É mais comum que a síndrome pós-pólio se manifeste em pessoas com histórico de poliomielite paralítica grave. Mas aquelas que ficaram com sequelas mínimas, quase imperceptíveis, como um músculo um pouco mais frágil, também podem desenvolver a doença;
» Há casos de pessoas com pós-pólio que tiveram poliomielite, mas não sabiam, pois o vírus não chegou a provocar paralisia. Poucos casos são conhecidos, mas eles existem.
SINTOMAS MAIS COMUNS
Os sinais da doença são semelhantes aos do envelhecimento precoce
» Fraqueza muscular, tanto em músculos afetados previamente pela poliomielite como em partes que não foram acometidas
» Dor nos músculos e articulações
» Fadiga
» Intolerância ao frio
» Dificuldades respiratórias
» Problemas para dormir
DEPOIMENTO: Simone Conceição Santos Teodoro - de 42 anos
“Aposentei-me por invalidez. Contaminada pela poliomielite quando tinha 1 ano e seis meses, estou desde os 33 em uma cadeira de rodas, por recomendação médica. Agora, sofro de insônia, dores musculares e tenho dificuldades para me movimentar. Minha musculatura está cada dia mais fraca. Já passei por médicos que me disseram que tinha que me acostumar com a dor, e que seria para a vida inteira”.
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